29 December 2006

Pedro Paixão Remix

Sinto invadir-me uma melancolia de outros tempos em que acreditar era mais fácil. O sofrimento pode ter sentido, transforma-nos por dentro. O mundo todo é um mal-entendido que aguardamos que se resolva ou estoire e enquanto nada acontece sofremos. Agarramo-nos a coisas que se nos escapam entre os dedos. Uma pessoa não pode viver a vida de outra. Sinto o peito oprimido por uma dor antiga que sei não irá passar. Acordas numa manhã igual a todas as outras com a certa certeza de ela não te amar e sabes bem que o amor não se repete. Que persistes na vida dela como uma espécie tolerada que insiste em continuar por ali, alguma coisa que ainda dá sinais de vida e já vai morto, erva arrancada ao caminho, que para algumas coisas ainda serve. Não te encontrei por acaso. Foi mesmo preciso, uma necessidade da vida, do mundo, não minha. E agora dói tanto continuar a rever-te. Repito para dentro de mim que o passado não existe. Uma fraca estratégia para enganar o futuro. Tu achavas-me muito esquisito. É que não precisávamos de nos ver para cairmos juntos no amor. Vermo-nos só trouxe complicações. Nós não sabíamos nada, era isso, nem tu nem eu, apesar da confiança com que olhávamos as nossas vidas. A música são lágrimas, escreveu alguém. Tive de continuar a representar vários papéis ao mesmo tempo e quando me olhava ao espelho era uma máscara que via a olhar-me, a interrogar-me sem que soubesse porquê. Os silêncios tornavam-se difíceis, todas as pausas eram um risco de depois não saber continuar, não ter por onde. Imaginava o teu corpo a mover-se noutra cidade, a atravessar uma rua, a apanhar um táxi, a meter-se num cinema, próximo de outros corpos de quem eu tentava imaginar a face e não via. Só queria ficar mais tempo nesse tempo em que ainda sabíamos tão pouco um do outro. Tenho tanto medo de te encontrar que mesmo nunca te encontrando estás mais presente que todos os que vejo girar à minha volta. O que os dias trazem, um diário de tédio. Pouco a pouco vais-me expulsando da tua vida. Com avanços e recuos, é um trabalho árduo. É tão difícil concentrar-me, impedir que os pensamentos corram sem direcção nem sentido, me surpreendam em insinuações tão dolorosas. Como tudo o que fizemos de um modo tão leve, tão descuidado, se transforma agora no chumbo que pesa sobre a minha vida e a vai afundando. De vez em quando tornava-se urgente dizer um ao outro que gostávamos muito um do outro. Não sei porquê. Vivíamos de amores emprestados. Eu sabia que as coisas não podiam voltar atrás, que nada acontece duas vezes. Não foi de repente que tudo mudou, que fiquei aflita, nesta aflição em que sufoco. Tu não eras quem eu esperava que fosses. Estamos sempre a imaginar isto e aquilo e sempre a confundir isso com o que está para vir e vem de outra maneira. E de repente tudo se desfaz. Sou facilmente magoada. Sou facilmente usada. Deixo-me usar. Contigo ainda foi pior. Porque tudo parecia ser como não era. E o tempo nunca mais acaba de passar, enquanto minuto a minuto todos os relógios avançam. Lembrava-me só de uma frase que voltava sem que eu a quisesse lembrar. “És a pior coisa que me podia ter acontecido.” Desculpe o desabafo. E não é metade do que sinto. Obrigada. Se não fosses tu não valia a pena. Se não fosses tu não havia o mar. Tu vais e eu espero que regresses só o tempo necessário em que morro num soluço. Percebi por fim o que já sabia. Trazia uma quantidade de água a rebentar por detrás dos olhos, é verdade, mas só eu julgava sabê-lo. Já não estava a aguentar, estava a deixar-me ir. Tudo tão perto e tão longe. De repente o vazio. No momento preciso em que não se estava à espera. O vazio. Sabes como é, claro. Quando se perde a direcção e o sentido e o tempo é uma muralha levantada à nossa frente. ...há momentos em que um beijo escrito vale por muitos. Foges. Mergulhas a cabeça na água que corre, na esperança que a porta entreaberta por fim se abra e de beijos te sufoquem. Fecho os olhos, como se já não estivessem fechados, e o que está dentro de mim é uma ânsia. Nunca saberemos o que nos une. Nem o que nos separa. Foi sempre assim. O que nos prende é o imprevisível. O que nos guarda é a fragilidade. Foi tão doce acabar contigo. Quiseram-me e deixaram de me querer.

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