29 December 2006

à tua espera...

exercício

É apenas um exercício de memória
Querer lembrar-te
e fixar a tua imagem
num pequeno lugar
no espaço

Tentar recordar o teu perfil
a cor da tua pele
e a maneira de sorrir

Fixei apenas as tuas mãos,
o suave toque que anseio
O entrelaçar dos nossos
dedos

Ao virar de uma
esquina sinto o teu cheiro
Ficou perdido no ar
à minha espera.

Uma ausência em
confronto permanente
dentro de mim.

tudo o que interessa no mundo em papel marroquino


“Adoro as tuas cartas. Não tanto de as ler; mais de as receber. Adoro abrir a minha caixa de correio e ver o teu envelope no meio de outros vinte com contas para pagar. Adoro-te a ti. Conhecemo-nos faz hoje um ano, Verão de São Martinho a comer castanhas à volta de uma fogueira num acampamento. Parecia uma cena de um filme romântico foleiro, tu com uns amigos, eu apenas a passar em direcção à minha tenda. Ainda me lembro da tua voz, da sensação que me causou no corpo todo aquela voz a chamar-me, ia eu entretido com um cigarro acabado de enrolar (a minha diversão da altura, lembras-te?). Apresentar-me, sentar-me, concentrar-me nas caras do grupo, confesso que a minha atenção se virou, nos primeiros minutos apenas, para uma das tuas amigas, sentada à minha frente. Hoje nem do seu nome me lembro. Rapidamente, porém, os meus sentidos, especialmente a audição (a tua voz de mel) e o olfacto (o cheiro suave da tua pele) me guiaram a ti, a rapariga que reparara no meu ar triste (segundo contaste mais tarde) e me chamara para passar a noite com vocês. Muitos dos que nesse grupo se inseriam, não os voltei a ver, no entanto, para além de ti (claro!), um ou dois permaneceram na minha memória e passei a dar-me com eles. O melhor exemplo? O Zé, obviamente. Hoje em dia, como sabes, é o meu melhor amigo, mais uma coisa te devo...Lembro-me de que nessa noite nos divertimos como nunca; aproveitei para sair um pouco da minha má vontade de nascença, tu ajudaste-me, é certo; cantei músicas foleiras, dancei atrapalhadamente, ri de anedotas sem piada, contei histórias sem interesse só para manter o ambiente vivo, até que a maioria começou a adormecer, principalmente quando a cerveja se esgotou juntamente com as pilhas de um rádio com cassetes que para lá andava, e tu me pegaste na mão e me levaste. Andámos imenso, o cansaço parecia não nos atingir, perdemo-nos numa floresta e, sem explicação aparente, amámo-nos.
Já lá vão trezentos e sessenta e seis dias. Neste primeiro ano muito se passou. Muitos nos abandonaram: zangas, acidentes, mortes, lágrimas artificiais em alguns casos (...) Poucos sobreviveram: a viagem, confesso, não foi das mais fáceis, por vezes cheguei a ter medo, no entanto nunca abandonei o barco. Mais importante ainda, tu também não, permaneceste ao meu lado e ajudaste-me a não desistir. Mais uma coisa te devo...são tantas que já lhe perdi a conta. Garanto que te hei-de recompensar, e não apenas com um simples “obrigado”. Pensarei em algo que te surpreenda e obrigue a ficar a meu lado. Porque, no fundo, é só isso que eu pretendo: que fiques a meu lado. (...) Já te quis matar, e tu a mim, ambos já o confessámos, o tentámos até, porém voltámos atrás e ainda bem.(...) Adoro “picar-te”, provocar-te ao máximo para ver os teus limites. Dessa vez, atingiste mesmo o limite quando recitaste o meu poema preferido todo de cor em jeito de declaração de amor para me convenceres, e depois de não resultar subiste para o parapeito e agarraste-te a mim a dizer que morrerias comigo se fosse preciso. (...) Aconcheguei-me no teu colo e nesse dia maravilhoso fui eu a chorar, consciente ou inconscientemente, tanto faz. Nesse fim de tarde, tirámos fotografias um ao outro na praia que se encontra mesmo ao pé da tua casa.
Passou um ano. Por enquanto, não é altura de festejar, partiste faz hoje uma semana e só chegas daqui a dois dias. África, Marrocos (...) onde o cheiro da miséria se mistura com o aroma das especiarias, crianças, velhos, gritos (...) Nunca soubeste explicar porquê, mas sempre adoraste essa terra e sei que um dia vais abandonar esta cidade (...) Estou disposto a acompanhar-te (...) estou disposto a arriscar e partir contigo para que me mostres os verdadeiros segredos desse local maravilhoso. (...) Passado este ano, conheço-te melhor que ninguém, tu própria o dizes. Conheço cada centímetro do teu corpo e da tua mente. Conheço as tuas manias, os teus tiques, as frases, as ideias, as tuas disposições e, mesmo assim, através da tua arte surpreender-me a cada minuto que passa. O que, no fundo, mostra, que darmo-nos melhor seria impossível, pois o que há de mais fascinante que a surpresa, a novidade quando pensamos ter tudo sob controlo?
Passou um ano, não estás cá para festejar.
Eu sabia que não te esquecerias, o que eu não sabia é que ficaria tão emocionado com o facto de te lembrares.
Adoro as tuas cartas. Não tanto de lê-las, mais recebê-las. Ver o teu envelope no meio de outros vinte com contas para pagar. Esta última, que recebi hoje e acabei de reler há minutos foi diferente: adorei recebê-la, mas ainda mais lê-la. No meio de uma folha de papel ordinário marroquino (que tem um toque extremamente agradável), escrita com a tua caneta de tinta permanente, apenas uma palavra, somente uma palavra utilizaste tu para me mostrar que não te esqueceras apesar da distância a que te encontras. Com a tua angelical caligrafia e o cheiro das tuas mãos ainda envolvendo o papel, apenas e só a palavra “amo-te”.
Eu sabia que não te esquecerias.”

In Deus Morreu E Eu Não Fui Ao Funeral, João Rosas

Pedro Paixão Remix

Sinto invadir-me uma melancolia de outros tempos em que acreditar era mais fácil. O sofrimento pode ter sentido, transforma-nos por dentro. O mundo todo é um mal-entendido que aguardamos que se resolva ou estoire e enquanto nada acontece sofremos. Agarramo-nos a coisas que se nos escapam entre os dedos. Uma pessoa não pode viver a vida de outra. Sinto o peito oprimido por uma dor antiga que sei não irá passar. Acordas numa manhã igual a todas as outras com a certa certeza de ela não te amar e sabes bem que o amor não se repete. Que persistes na vida dela como uma espécie tolerada que insiste em continuar por ali, alguma coisa que ainda dá sinais de vida e já vai morto, erva arrancada ao caminho, que para algumas coisas ainda serve. Não te encontrei por acaso. Foi mesmo preciso, uma necessidade da vida, do mundo, não minha. E agora dói tanto continuar a rever-te. Repito para dentro de mim que o passado não existe. Uma fraca estratégia para enganar o futuro. Tu achavas-me muito esquisito. É que não precisávamos de nos ver para cairmos juntos no amor. Vermo-nos só trouxe complicações. Nós não sabíamos nada, era isso, nem tu nem eu, apesar da confiança com que olhávamos as nossas vidas. A música são lágrimas, escreveu alguém. Tive de continuar a representar vários papéis ao mesmo tempo e quando me olhava ao espelho era uma máscara que via a olhar-me, a interrogar-me sem que soubesse porquê. Os silêncios tornavam-se difíceis, todas as pausas eram um risco de depois não saber continuar, não ter por onde. Imaginava o teu corpo a mover-se noutra cidade, a atravessar uma rua, a apanhar um táxi, a meter-se num cinema, próximo de outros corpos de quem eu tentava imaginar a face e não via. Só queria ficar mais tempo nesse tempo em que ainda sabíamos tão pouco um do outro. Tenho tanto medo de te encontrar que mesmo nunca te encontrando estás mais presente que todos os que vejo girar à minha volta. O que os dias trazem, um diário de tédio. Pouco a pouco vais-me expulsando da tua vida. Com avanços e recuos, é um trabalho árduo. É tão difícil concentrar-me, impedir que os pensamentos corram sem direcção nem sentido, me surpreendam em insinuações tão dolorosas. Como tudo o que fizemos de um modo tão leve, tão descuidado, se transforma agora no chumbo que pesa sobre a minha vida e a vai afundando. De vez em quando tornava-se urgente dizer um ao outro que gostávamos muito um do outro. Não sei porquê. Vivíamos de amores emprestados. Eu sabia que as coisas não podiam voltar atrás, que nada acontece duas vezes. Não foi de repente que tudo mudou, que fiquei aflita, nesta aflição em que sufoco. Tu não eras quem eu esperava que fosses. Estamos sempre a imaginar isto e aquilo e sempre a confundir isso com o que está para vir e vem de outra maneira. E de repente tudo se desfaz. Sou facilmente magoada. Sou facilmente usada. Deixo-me usar. Contigo ainda foi pior. Porque tudo parecia ser como não era. E o tempo nunca mais acaba de passar, enquanto minuto a minuto todos os relógios avançam. Lembrava-me só de uma frase que voltava sem que eu a quisesse lembrar. “És a pior coisa que me podia ter acontecido.” Desculpe o desabafo. E não é metade do que sinto. Obrigada. Se não fosses tu não valia a pena. Se não fosses tu não havia o mar. Tu vais e eu espero que regresses só o tempo necessário em que morro num soluço. Percebi por fim o que já sabia. Trazia uma quantidade de água a rebentar por detrás dos olhos, é verdade, mas só eu julgava sabê-lo. Já não estava a aguentar, estava a deixar-me ir. Tudo tão perto e tão longe. De repente o vazio. No momento preciso em que não se estava à espera. O vazio. Sabes como é, claro. Quando se perde a direcção e o sentido e o tempo é uma muralha levantada à nossa frente. ...há momentos em que um beijo escrito vale por muitos. Foges. Mergulhas a cabeça na água que corre, na esperança que a porta entreaberta por fim se abra e de beijos te sufoquem. Fecho os olhos, como se já não estivessem fechados, e o que está dentro de mim é uma ânsia. Nunca saberemos o que nos une. Nem o que nos separa. Foi sempre assim. O que nos prende é o imprevisível. O que nos guarda é a fragilidade. Foi tão doce acabar contigo. Quiseram-me e deixaram de me querer.

13 December 2006

PELA LIBERDADE DOS PERUS E EXTINÇÃO DO BACALHAU, PELA DIGNIDADE DAS RENAS E EXPLORAÇÃO DOS DUENDES, PELOS GORROS DO PAI NATAL QUE JÁ NINGUÉM AGUENTA, FAÇO VOTOS DE UM NATAL LIGEIRAMENTE DIFERENTE, CHEIO DE BROAS E FILHOSES E DE UM 2007, CHEIO DE NOVIDADES PROMISSORAS.
BJS A TODOS